quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Papagueando

Mais uma que nos remete à série: "Eleições 2010".

Bom proveito!

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Estava assistindo televisão quando começou o horário eleitoral. Que saco. Em época de eleição é sempre a mesma coisa. À noite, a programação é interferida pelo horário eleitoral. No início, são destinados 30 minutos, no período da manhã e da noite, e perto das eleições, são 50 minutos de pura agonia, algazarras e rogativas, na minha humilde opinião. Todo dia aguento o horário eleitoral. E o pior não é assistir, é ter de escolher os candidatos.
São homens e mulheres ponderando, convocando e, às vezes, implorando para que eu ajude a transformar o país. Até parece... Que juntos faremos melhorias na saúde, educação, economia, e por aí vai. São tantos pedidos de gente atrapalhada que fico sem reação. Pedem meu voto e de meus familiares, piorou! Mamãe não tem idéia em quem votar e sempre fica me adulando com a mesma ladainha: “Filha, em quem nós votaremos?”. Eu sempre respondo com o mesmo discurso: “Eu, ainda não decidi. Agora, em quem você vai votar, não tenho idéia”.  
Por sua vez, o namorado de mamãe já tem tudo definido. Influente e curioso pelo mundo da política, ele vive nos criticando pela forma como tratamos o assunto. “Se vocês que julgam ser o povo não têm a preocupação de votar, por que o fazer?”. Não tiro a razão dele. Só penso que os candidatos não parecem levar a sério o assunto. Não na magnitude que se carece. E Belinha me apóia. Pelo menos repete quase tudo que falo. Belinha é um pequenino papagaio que ganhei de titia. Parecido com os que existem nos zoológicos.

Passeio
Tive de sair de casa. Fernando, o namorado de mamãe, quando dispara a falar sobre política, nem Cristo agüenta. Peguei Belinha e avisei que ia dar uma volta. Deixei mamãe sozinha para aguentar o fardo político. “Tadinha!”, matutei. Se eu permanecesse, sabia que o bate papo resultaria em discussão. Ao sair de casa, encontrei papai na rua e Fui cumprimentá-lo. Belinha não perdeu a oportunidade de se mostrar “Olá Pepê! Pepê! Pepê!”, papagueava. Esse era o apelido dele. Eu e papai começamos a rir. E papai, como de costume, fez aquele comentário “Ê mundo animal, sempre nos surpreendendo!”. Em seguida, ao começarmos uma conversa, um amigo dele chegou. Mal soltou um “Boa noite” e já desandou a falar sobre a tal política. Fiquei indignada e o ignorei. Só não percebi que, antes de ignorá-lo, eu é que fui deixada de lado. Até por papai. Fiquei revoltada, só que mantive a calma e permaneci. 
O amigo falava empolgado, discorrendo sobre as falcatruas de fulano, apoio a ciclano e beltrano, e papai assentia com a cabeça, concordando. Eu não acreditava no que estava vendo e ouvindo. Fiquei estarrecida no momento em que disseram que era melhor votar em alguém que fosse realizar alguma coisa boa. “Boa para eles”, pensei e disse. Ambos me olharam. Então, tive de falar o que pensava. “Como podem julgar que determinada pessoa fará alguma ‘coisa boa’ para vocês?”, adverti. “São tão especiais que merecem privilégios? Ou acreditam que o mundo gira em torno de vocês?”, rematei. “Tolos! Tolos! Tolos!”, tagarelava Belinha, enquanto eu sentia uma rápida sensação de rir. E eles permaneceram em silêncio, me observando.  
Na verdade me senti mal protagonizando a cena. Dei as costas e me retirei com Belinha. A caminho de casa fui refletindo sobre o acontecido. Em como ainda existem pessoas que apreciam a troca de favor, venda de voto, e votam em qualquer candidato. Lembrei que, antes de sair de casa, ao ignorar o assunto, eu era exatamente assim. 
Ao chegar em casa, notei que os ânimos estavam mais serenos. E o horário eleitoral não havia acabado. Sentei no sofá com Belinha para assistir. Dessa vez, fui avaliando as propostas dos candidatos e partidos, enquanto Belinha repetia tudo o que era falado na televisão. Ao terminar o programa, cheguei a uma conclusão. “Belinha, precisamos alertar as pessoas, entre elas, mamãe e papai, sobre o poder de decisão do voto. E, sobretudo, que existem candidatos sem saber o que fazer no governo. Acreditando que com eles, pior do que está, não fica”, desabafei. E Belinha, parecia ser a única que me compreendia. “Precisamos alertar! Alertar! Alertar!”, papagueava incontrolavelmente.


Autor: Fernanda Gomes



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