sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Nossa Marcha Mocha

 Texto enviado por: Noriana Seefeld Behrend

Vale a leitura. Sabor agradável.

Saúde!

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Já reparou que nossa vida é cercada por marchas de toda sorte? Marcha nupcial, Marcha de carnaval, Marcha cívica, Marcha ré e tanas outras. Cada qual a seu tempo e hora. O raciocínio pode parecer mirabolante a primeira vista, mas serve para ilustrar o condicionamento social a que somos submetidos desde sempre e, ao que parece, para todo sempre. Até que a morte nos separe, com perdão do trocadilho.
Que dizer sobre estereótipos presentes todo tempo na mídia regendo nossas aspirações? Há quem diga que toda ação gera uma reação. Nesse caso catastrófica, apregoando conceitos inatingíveis de beleza. Temos o péssimo hábito de taxar o que é estranho de ruim, ou seja, ser diferente não parece normal, apesar de algumas peças publicitárias dizerem o contrário. Enquanto reforçarmos a intolerância e o preconceito esses cânceres sociais não serão extirpados.
Se o cara for negro, pobre e analfabeto é bandido por tabela. Dedução arbitrária calcada em pressupostos insólitos, que o diga a nação verde-amarela de Marias e Joões espalhados do Oiapoque ao Chuí.
Mesmo assim, as comemorações cívicas do sete de setembro sempre emocionam, sendo uma oportunidade única de demonstrar patriotismo e orgulho de ser brasileiros. E a oportunidade de assistir a belos desfiles em todas as capitais brasileiras.
Talvez o leitor não concorde comigo e faça conjecturas do tipo: “Orgulho de ser brasileiro eu tenho é em época de copa do mundo.” No entanto, aposto que ao puxar na memória lembrar-se-á de momento ou personagem marcante relacionado a essa data comemorativa.
Fato que aconteceu comigo há muito anos no dia sete de setembro — e que mudou minha percepção acerca dessa data para sempre — aconteceu certo dia de calor escaldante. Eu era uma doce e sonhadora menina — apenas mais patriota que as demais — a quem o pai levava pela mão, ano após ano, para assistir ao desfile da banda militar. O dia estava perfeito: céu azul, instrumentos afinados, marcha em sincronia, fardas impecáveis, símbolos nacionais, posturas respeitosas, bandeiras do Brasil, etc.
  • Relembrando
No meio da multidão — enquanto soavam os primeiros acordes do hino nacional — ao longe se via um homem de cabelo pixaim, rosto moreno, trajando paletó amarelo e camisa de casemira azul. Ele olhava entristecido para a banda que seguia pela Avenida da cidade. Assistia introspectivo à cena, emudecido diante da multidão que cantava acalorada: “Ouviram do Ipiranga às margens plácidas, de um povo heroico brado retumbante”.
Fiquei intrigada com a atitude passiva daquele homem e perguntei ao meu pai quem ele era. Disse se tratar do ex-sargento Passarinho, regente durante muitos anos da banda militar. Que abandonara a exercício da profissão e a música por causa da bebida. Todos os anos no dia sete de setembro ele vinha ao desfile cívico, era a sua maneira de aplacar as saudades e de espantar a solidão.
Os Policiais prestariam linda homenagem naquele dia ao sargento passarinho. Executado o hino nacional bateram continência ao amigo que acompanha tudo de longe, aturdido com aquele desfecho. O atual regente também recitou um trecho do poema de Mário Quintana: “Todos esses que aí estão/ atravancando o meu caminho, / eles passarão... / eu passarinho!”.
A ideia mirabolante dos ex-colegas de farda causou frisson entre os presentes e também no homenageado. Aplausos ecoaram durante alguns instantes. Desse dia em diante entendi o real sentido do sete de setembro. Mais que data cívica aquele dia passou a representar para mim o reencontro com a essência do ser brasileiro: perseverante e talentoso por natureza, mesmo em face dos reveses da vida.

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