terça-feira, 30 de novembro de 2010

Meu ídolo ontem, hoje e sempre

No fim do arco-íris, sempre tem um pote de ouro.


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Surfando nas ondas da internet, hoje à tarde, em minha humilde residência, ouço longe uma música com rufar de tambores, trompetes e bumbos. A música vem mansamente alegrando o ambiente, que coisa boa. É difícil alguém escutar esse tipo de som em época em que a música anda tão comercial.


Querendo me concentrar no que estava fazendo, já não conseguia mais. Aquelas músicas surgiam em meu ouvido e me causavam curiosidade. Então, procurei saber a origem e tive grande surpresa. Era do vizinho, um garoto de 12 anos. Ouvinte e executor de algumas melodias.


O fator de importância já não era mais saber quem estava por trás daquele som, mas sim saber que banda era aquela e quem fazia parte dela. Logo, o garoto me explicou que escutavao bandas marciais para aperfeiçoar suas habilidades e treinar para o desfile de Independência - já que sua escola iria se apresentar no centro da cidade.


Questionando o jovem vizinho sobre tocar em banda marcial e a apresentação do desfile, ele mostra a capa dos cd’s que estava ouvindo. Aí sim, minha surpresa! Os que aguçaram minha curiosidade eram da banda marcial da Polícia Militar. Entre eles, uma figura muito famosa. Fiquei feliz em vê-lo na capa daquele objeto.


Com uniforme azul e seu instrumento, Carlos Roberto não era mais aquele cantor que arrebatava o coração das meninas em anos distantes. Junto de seus colegas, hoje, causam admiração e respeito pelo que fazem. Afinal, shows de banda marcial não acontecem todos os finais de semana.


De volta à minha casa, resolvi pegar todos os discos do Carlos Roberto que tenho em coleção. Sou grande fã. Ah, se todos gostassem de música boa, de qualidade Era tão bom ir aos shows e ver as mirabolantes apresentações. Tempo que não volta mais...


Passando de disco em disco, deparo com seu último álbum: “O homem amarelo”. Depois de descobrir o destino do meu ídolo de adolescência, percebi como ele está infeliz na capa daquele bolachão - ­como chamávamos os discos naquela época. Terno amarelo, calça marrom e olhar melancólico. Tristeza.


Em fim de carreira, muitos artistas não sabem mais como atrair a atenção do público. Não sabem a causa das músicas não tocarem mais nas rádios, não têm explicação para a repentina decadência e solidão. Vai ver que por isso Carlos Roberto deu ao último álbum o título de “O homem amarelo”.


Talvez já não estivesse tão iluminado assim, ou o disco poderia se chamar “O homem dourado”. Amarelo seria seu sorriso em perceber que o tempo passa e nem tudo permanece. Mas só grandes artistas têm o poder de descobrir outros talentos e se reinventar.


Carlos Roberto, hoje, toca na banda marcial da Polícia Militar e - mesmo sem saber disso - despertou minha atenção em conhecer de quem era aquela música. Isso sim é um ídolo, isso sim é um homem insólito e multicolorido. Enfim, temos de dançar conforme a música.


  
Autor: Gustavo Rosa




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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Século Vintedois

Ah, os livros. Grandes livros...


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Era jantar de aniversário do diretor de métrica, homem dos mais rigorosos da firma. O assunto da mesa não poderia ser outro, o escândalo da semana: as câmeras de vigilância haviam flagrado o estagiário que manejava a máquina de mixagem de versos lendo no banheiro uma espécie de ipad arcaico, feito de papel. Nele havia poemas de um tal Edgar Allan Poe, supostamente poeta independente: haveria escrito sozinho os versos!


Dada a complexidade dos poemas o chefe de repartição logo concluiu que seria impossível aquilo ser feito por apenas um homem e fora da escala industrial. Talvez houvesse sido produzido por uma empresa da pré-modernidade, já que lá pelo início do século 21 ainda adotavam esse tipo de produção. Estranho era o fato de aquilo ter sido preservado depois de tanto tempo. O jovem, gaguejando, não soube explicar-se. Começou a suar frio. Após ler algumas linhas o chefe lhe devolveu o objeto: “pode ficar com isso, meu jovem, não tem a menor qualidade”.

O estagiário respirou aliviado enquanto guardava seu arcaico ipad. Eis que deixou cair um papel bem amarelado que apresentava finas linhas azuis paralelas e simétricas. Os olhos do chefe se arregalaram, tinha certeza estar frente-a-frente com um subversivo: estava escrito, em tinta, palavras organizadas em forma poesia. Chamou imediatamente a segurança. Diante da gravidade, o caso foi levado à alta cúpula da Poems Inc. O presidente da empresa não só demitiu imediatamente o aprendiz como encaminhou o sujeito à polícia. O caso era sério, descobriu-se que apesar da inocente aparência o jovem pertencia a uma organização criminosa que produzia poemas individuais assinados com nomes falsos e os distribuía clandestinamente. O marginal está sendo mantido incomunicável e responde a processos por formação de quadrilha, exercício ilegal de profissão, concorrência desleal e falsidade ideológica.

Todos ficaram realmente chocados com o fato de que ali dentro da firma poderiam conviver com um desses terroristas literários que tanto falam a imprensa e a polícia. Ora, imaginem se todo mundo (leia-se: qualquer um!) resolve escrever poesia por sua própria conta e distribuir por aí! Obviamente, aconteceria uma banalização absurda e uma queda de qualidade dos poemas. Gente sem formação profissional nem senso de responsabilidade prestando esse serviço tão vital para o bem-estar social. Logo surgiriam hordas escritores sem técnica atentando contra os bons-costumes, rompendo métricas, quebrando rimas e repetindo essa ladainha de que poesia é arte. E como viveriam eles que estudaram com tanto afinco se as empresas de poemas começassem a falir simplesmente porque agora qualquer um poderia escrever poesia se bem entendesse?!

O diretor de rimas tentou mostrar indignação:

- Deus me livro, digo, Deus me livre...

Não conseguiu esconder o pavor por cometer tal deslize. Poderia ser acusado de subversão. Mas felizmente nenhum dos presentes sabia o que significava a palavra “livro”. A terrível falha, que quase o entregou, passou apenas como um erro gramatical. Menos mal.

O chefe do departamento de temáticas amorosas, um gordo sentado ao seu lado, cochichou em tom profético: "Já não se faz poesia como futuramente".


Autor: Vitor Taveira <www.gritoliterario.blogspot.com>



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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Alergia de Santa

Há os que nascem para certos feitos, os que nascem para outras coisas, e aquele que nascem... Bem, eles simplesmente nascem.

O que importa mesmo é o "Felizes para sempre", seja como for.

Sirvam-se.

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Não se falava em outra coisa na cidade. Qualquer roda de discussão, prosa na esquina e até bebum que falava sozinho, todos falavam no mesmo assunto: o casamento da Candinha. Era a filha mais nova do prefeito, casta, nunca tivera um namoradinho sequer. Nem um daqueles que a gente namora, mas esquece de avisar pra ele, ou ela. E todo mundo adorava a Candinha. Ela era meio filha de cada um na cidade. Quando anunciou que ia casar com o Marcondes, foi o maior alvoroço. Cada um queria contribuir de um jeito, eram as flores com um, o convite com outra, os textos com mais um, e ela chegou a receber um punhado de cartas com sugestões para os votos matrimoniais. Candinha era assim, simples e querida por todos. E o sonho dela era casar mesmo, Desde pequenina.

O Marcondes também era sujeito bem quisto nas redondezas. Não como a Candinha, mas rapaz trabalhador que sempre ajudou a família. Bem apessoado, bem humorado e bem aventurado na vida. Menino pra casar mesmo, que nem a Candinha. E também sonhava em casar. Nada podia ser mais perfeito, e nada podia dar mais certo. A aprovação do casal chegava a ser maior que a do flamengo lá em Bangu I, onde passei uma temporada agradabilíssima, aprendendo a ler e escrever. Mas eu não sou nada nessa história o que interessa é a Candinha e, um pouquinho, o Marcondes.

De casamento marcado e com tudo bem encaminhado para a festa e para a cerimônia, a noiva experimentava seu vestido pela enésima vez. E também pela enésima vez não se importava com as sardinhas vermelhas que apareciam em seu braço. “Deve porque o vestido é novo, ou então da fricção do entra-e-sai”, comentava Candinha. A maquiagem também estava ok, e a limusine com motorista que a levaria para a igreja já estava com tanque cheio desde duas semanas antes. Definitivamente, nada daria errado. Era o casamento perfeito.

Dois dias antes do casamento, a cidade já estava em festa. Em qualquer bar que se fosse, era possível encontrar pelo menos dois ou três sujeitos que comemoravam as bodas desde a semana anterior. E muitas moças não iam aos bares por já estarem maquiadas desde a semana anterior, porque só tinha um salão na cidade e a demanda estava grande. A Candinha estava acordando naquela quinta-feira, e quando foi lavar o rosto, susto: muitos pontos vermelhos tomaram conta do seu rosto e, como ela pôde constatar logo, do seu corpo.

Levaram a coitada às pressas para o médico. “Catapora, sem sombra de dúvidas”, disse o médico. O casamento teria que ser adiado em duas semanas. Quem já estava no bar permaneceu, e quem já estava maquiada, nem se mexeu. E durante a quinzena seguinte a cidade permanecia na mesma, umas arrumadas, outros comemorando e outros e outras se arrumando, nada necessariamente na mesma ordem, mas tudo ok, porque dessa vez ia. Até porque a Candinha estava tomando sete banhos de permanganato ao dia. Te esconjuro, catapora!

Passou o tempo e um dia antes da cerimônia metade da cidade já estava em frente à igreja e a outra metade no bar do Malaco, que é do lado do cemitério, que é do lado da igreja. Todo mundo na rua. “Caxumba!”, foi o que a tia do Marcondes chegou gritando no meio do povo, e mandando ninguém se mexer, que semana que vem ia ter casamento de qualquer jeito, palavras da própria Candinha, que tava de cama e, você sabe como é, não se pode brincar com Caxumba.

Mas uma semana depois, o Marcondes e a Candinha casaram. “Saravá!”, gritava o pai do Marcondes sem parar, olhando pra moça desacordada na maca. O povo, como previsto se manteve em frente à igreja e no bar do Malaco, e o casório finalmente aconteceu. Só não teve lua-de-mel ainda. Eu não consegui entrar na igreja, mas me falaram da história. A Candinha até que desmaiou na hora do sim-sim, mas deu sorte que levou o gravador com um sonoro “Sim!” gravado por ela mesma, por precaução, e ainda conseguiu apertar o play antes de desfalecer. Ela era mesmo uma menina de fibra!

Faz um mês eu tive notícias da Candinha. Desde que ela desmaiou não acordou ainda, fica lá na cama, com acompanhamento médico e tudo, e ninguém consegue diagnosticar o problema. Já foi médico até do Camboja para a cidade, e nada - e olha que esse pessoal de olho puxado é inteligente pacas! - e todos na cidade torcem pra ela melhorar, fazendo várias vigílias na casa dela. Quando eu lembro disso tudo, só consigo pensar em duas coisas: ou a Candinha nasceu pra ser santa, ou só pode ser um caso raro de alergia a casamento! Pior pro Marcondes que vive aos prantos, coitado.


Autor: Jorge Pedrosa



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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Selva de borboletas

Sabores de amor, com essência de paixão.

A Adega deseja belos dias!

Cordialmente,

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Eis uma das definições de um dicionário qualquer para hiato: fenda, ou seja, uma interrupção entre duas coisas, onde não acontece nada muito incrível, nada que valha a pena contar. Até a parte da “fenda”, tudo ok, mas o resto é por minha conta e antes que qualquer sujeito venha fazer oposição ao pensamento, já digo que discordo. E Discordo com “D” maiúsculo e Propriedade. Cheguei primeiro. Agora vamos ao romantismo barato que ninguém vai querer ler mesmo...
Sabe aquela vidinha sem graça, sem adrenalina, que não dá muita história pra contar, que quando você pensa nela acaba dormindo antes de chegar na metade e aí nunca entende muito bem o que aconteceu? Pois é, eu também não sei como é isso. Mas mesmo entre um mundaréu de acontecimentos, sempre tem aquele que ninguém dá nada, e que no final te faz pensar em como as coisas podem ser ainda melhores na vida. Como no caso do menino de óculos de fundo-de-garrafa que senta num canto da frente da sala de aula e que, quando ninguem mais se lembra dele,  vira o maior cientista da NASA.
Foi mais ou menos por esse hiato que começou minha historia. Não sei de qual santo veio, mas como essas crendices todas não enchem muito meus olhos, eu acho que alguém convocou uma reunião num mundo paralelo qualquer por ai, juntou todo mundo e foi criada uma conspiração. Porque só dessa forma pra se explicar uma paixão mais repentina que criança comendo areia da praia: você pode até tentar impedir, mas todo mundo sabe que é impossível.
Vou ser fidedigno aos fatos: nos conhecemos, conversamos, rimos, brincamos, nos abraçamos, andamos de mãos dadas, fomos ao cinema, saímos novamente, e saímos de novo, e de novo. Enfim, estivemos juntos em diversas ocasiões, mas como todo casal da moda que se preze e todo artista super-solicitado, estávamos “nos conhecendo”. Mas depois veio o fato: aconteceu o que acontece com todo casal que está feliz, e com todo casal que conversa e ri.
Namoramos. Exatamente isso, e veja só, que interessante... Penso que se eu estivesse lendo com outras dez pessoas ao meu lado, nem nove pessoas e meia entenderiam que justamente essa simplicidade toda é o que nos causa o fascínio, torna as coisas mais interessantes e o colorido mais colorido. Até o preto fica mais preto e o brando, mais branco.
Eu sei que é tudo uma grande besteira, que eu já perdi meu tempo escrevendo e você o seu, lendo. Mas valeu a pena, cada minuto e segundo que estivemos aqui; porque um dia, meu amigo ou minha amiga, você vai lembrar de mim e vai cantarolar os versos da canção. Tudo isso só porque vai acabar de perceber que “é impossível ser feliz sozinho”. As coisas só não acontecem para quem não sabe ver, o hiato é relativo e só existe se você criá-lo, assim como o bicho papão e o velho do saco. Borboletas são lindas só por existirem. Elas são capazes de dar beleza a um dia cinzento, ou luz na escuridão gris da tristeza. E os meus momentos, todos eles, são borboletas.
Ah, lembrei de uma coisa: hiato vem do latim, hiatus, que significa “boca aberta”. Pensando dessa forma, eu tenho ainda mais certeza sobre a escuridão das coisas que nunca pretendo entender, porque toda vez que eu olho para o lado, é esse efeito que eu sinto, o queixo cai. E isso já é mais que o bastante para tudo que eu poderia pensar em dizer. Ela, sempre ela.




Autor: Jorge Pedrosa



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