quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A toalha de mesa

A solução pode estar, onde menos se espera. É só uma questão de percepção.

Do mais novo colaborador da Adega.

Aproveitem!

_________________________



A lua-de-mel foi excelente. Uma viagem humilde, mas cheia de paixão e gozo. Sim, o Zé Pereira finalmente tinha se casado. Ninguém acreditava no feito devido ao seu estilo de vida no passado ser, um tanto, poligâmico. Não que ele repugnasse as menininhas de micro biquínis que usavam a piscina do hotel, não que a camareira com traços latinos não lhe desse calafrio, não que a bar tender não lhe lembrasse aquela ruiva do carnaval de 97,98 e 2001. Mas ele sabia que esses dias não voltariam mais e, de certa forma, estava satisfeito com sua escolha.

Chegaram ao sábado, receberam seus pais, contaram as novidades, receberam alguns presentes atrasados. No outro dia, tiveram sua primeira macarronada de domingo como família. Macarronada com fanta uva, uma herança de sua sogra. Zé Pereira odiava aquela combinação. Mas vá lá, é com amor né. Isentava o cardápio.

Segunda de manhã, o clima de paixão transpirava pelos móveis. O casal toma o café enquanto o taxi de Zé Pereira esquenta o motor. Voltar à ativa após uma semana de folga, contar aos companheiros de ponto como foi, como não foi. Ouvir novamente as velhas histórias dos passageiros. Nada disso tirou o sorriso do Zé. Um beijo apaixonado sela a despedida. Passa a primeira, solta a embreagem e uma freada de leve, sua esposa o grita:

_ Amor! Traz da rua uma toalha de mesa… vi que só temos uma!

_ De que cor, querida? – responde prestativo.

_ Ah! Traz uma branca, florida, bem alegre! Te amo!

Dito e feito. Passou o dia contando aos companheiros, sob uma pequena pressão, o desenrolar da noite de núpcias. Aos clientes mais próximos arriscava se gabar de sua historia tentando mostrar que era taxista, mas era filho de Deus e poderia ser feliz também. As madames olhavam para ele tristonhas – menos um garanhão no mundo – imaginava o Zé. As gorjetas foram até maiores aquele dia, talvez como um sinal de boa sorte dos clientes para com ele.

Mas taxista que é taxista está sujeito a tudo e foi numa dessas paradas que entra um louco no carro, fugindo da polícia, já gritando:

_ Corre motô! Dá partida nessa lata, vale tua vida!

Zé Pereira já ciente, pela educação e termos colocados pelo novo passageiro, de que se tratava de um assalto e apelou para o lado sentimental do bandido:

_ Não faz besteira moço! Sou recém-casado, minha lua-de-mel acabou semana passada, tenho família agora…

_ E eu lá sou sua mãe pra me contar história, rapá! Mas já que tocou no assunto, passa essa aliança pra cá, preu dá uma averiguada no folheado! – debochava o marginal.

A polícia sem mais o que fazer no momento, segue o rastro do fugitivo. Umas duas viaturas vão atrás enquanto outra delegação bloqueia o caminho mais à frente. Enquanto o bandido coloca o terror, a sirene faz dueto com os pneus cantando, Zé Pereira já avista a barricada dos homens da lei:

_ Olha! Fechou o cerco, a polícia vai atirar na gente, moço…

_ Quem pediu pra tu abrir a boca, mermão? Se você pensar em frear essa joça, enfeito o pára-brisa com seus miolos!

A rua já estava acabando, a polícia parecia pronta pra gastar um pouco de stress na lataria e Zé Pereira, mais no reflexo do que na coragem, freia bruscamente e pula pra fora do carro, para o mergulho da liberdade. O meliante é alvejado ali mesmo e interrogado depois. Só o Zé segue para a delegacia.

Passado o susto e a burocracia do DPJ, Zé Pereira não se esquece do pedido da sua amada esposa e passa numa loja qualquer de cama, mesa e banho e leva a toalha de mesa.

_ Mas amor, você comprou uma toalha marrom? – Ensaiava um início de discussão.

Nisso, Zé Pereira jogado no sofá com uma latinha de cerveja, valorizava cada gole enquanto ouve a mulher gritando com ele. Ela só não entendia o sorriso sínico em seu rosto. Mas na cabeça do Zé, a idéia de que ele era novo demais pra perder a vida num taxi era inaceitável, quem diria num casamento, aumentava a cada instante. A toalha marrom era só o início do plano. O início do divórcio.








Seja sócio da Adega

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Reflexões

Se o perigo é iminente, a avaliação é latente.

A Adega reflete.

Saúde!

_____________________________



Já caía a noite e eu me arrumava para sair. Iria para um happy hour com uns amigos, beber cerveja, falar de futebol e mulher. Ir embora embriagado. Porque é isso que todo sujeito de meia-idade e solteiro, como eu, faz da vida às sextas-feiras trajando um bermudão amarelo super descolado. Já estava perfumado e ia colocar a camisa, quando vi um estranho dentro do meu quarto. Pulei sobre a cama, rolei no chão e me escondi entre a mesa-de-cabeceira e a parede do banheiro. Coisa de filme, só vendo para acreditar! Nem eu acreditava em tanta elasticidade.  Era minha chance de não ser visto. E, além de tudo, eu estava seminu e era tímido.

Deu tempo de sacar o sujeito, e eu podia jurar que ele me viu por um segundo, pois tivemos um rápido contato visual. Mas sou muito rápido, e minha barriga torna meu rolamento mais dinâmico, por assim dizer. Estava intrigado com apenas mais uma coisa: depois que percebi a presença estranha, não ouvi mais qualquer passo ou ruído. O invasor da minha privacidade devia estar analisando o ambiente ou, se tivesse me visto mesmo, esperando que eu emergisse. Depois de uns dez minutos de tensão até que me distraí e comecei a me apegar aos detalhes daquela situação. Sou mais detalhista do que chinês fazendo jogo de dominó humano.

A começar por aquele olhar que me intrigou. Como não poderia ter-me visto, enxergava tão mal ou, pior, pior que eu? A física básica já explica: se meus olhos vêem seus olhos, os seus olhos enxergam os meus olhos. É fato, e científico... Bendita miopia! Eram olhos de jumento, híbridos na história, de misturas e misturas de raças, etnias ou, quiçá, de espécies. Verdadeiras janelas escancaradas que acusavam toda a miscigenação daquele gene imundo, invasor. Um nariz adunco numa pele branca. Design europeu com traços asiáticos. E o cabelo não escondia qualquer raiz africana que pudesse ser guardada ali. Não andou, não pegou nada, nem um ruído, nem um movimento, não podia ser mau. Talvez fosse a primeira vez que invadira uma casa e lutava agora contra seu medo de ser pego, porque não podia mais voltar atrás.

Eu entendo isso, todo mundo entende isso. Os escrúpulos existem, assim como o bicho-papão, o velho-do-saco e toda a trupe da assombração. Mas em cada universo particular e paralelo recebem formas e nomes diferentes, e cada um lida como pode com seus malfeitores. E ali estava eu pensando sobre os caminhos que as coisas tomam. Estaria aquele homem ali por necessidade? Foi obrigado? Cumpria ordens? Alguém o obrigava a fazer algo que não queria ou só não precisava fazer?

Não vou mentir que pensei em muitas coisas, mas nada que valha a pena contar. Pensei na sociedade, na história, na democracia, no comunismo e até no nazismo! Na fome, no capitalismo e no socialismo. Pensei nas crianças, na educação, saúde e segurança. No contrato social! Caminhei pela psicologia, antropologia, filosofia e umas dez outras “ias” humanas. Viajei até o trio Sócrates-Platão-Aristóteles. Isso tudo fora o futebol e o sexo, que não saem da cabeça do brasileiro, como eu. São invenções desse bicho-homem, que cria coisas demais para confundir mentes normais, para torná-lo refém de suas próprias invenções e para enlouquecer a si mesmo. E coisas demais para mente de gente de menos como eu pensar.

Só não sei no que estava pensado quando resolvi tomar coragem. Acho que era só saco cheio mesmo. Fui dar uma espiadinha - sem trocadilhos com o reality show, por favor - e vi o homem. Era muito feio e ficava ali parado, agora me olhando fixamente. Sem medo e com um sorriso no canto da boca. Falou um “Otário!” e sorriu largamente. Bem que algo não me era estranho naquele primeiro contato visual. E eu tive a confirmação: era só o outro eu num espelho, bobo, espelho. É cada medo que a gente inventa que nunca sabe o que pode acontecer. Saravá! Amarelo não deve combinar comigo, logo depois da visão catastrófica, joguei meu bermudão fora.


Autor: Jorge Pedrosa


Seja sócio da Adega

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Louco

Loucos? Quem sabe uns poucos...

Parreira de versos.


______________________





Louco, louco, louco,
Grito assim a todos,
Ao menos alerto aos poucos,
A minha insanidade de tolo,
Louco por não conseguir mentir,
Louco por ser diferente,
Louco por não aceitar um sistema,
Não querer o que todos querem,
Não aceitar as imposições mundanas,
Por acreditar que o amor,
Jamais deverá ser efêmero,
Sou assim então louco,
Por ser diferente,
De todos aqueles que acreditam,
Que viver em um padrão é melhor,
Sejam assim vocês, todos iguais!
Vivam como porcos!
Filhos do comércio!
Filhos da moda!
Filhos da traição de seus próprios ideais!
Pois eu prefiro a todos gritar
A você, a Ti e Acolá!
Louco, Louco , Louco!
Grito assim a tolos,
Alertando assim a todos
A insanidade de poucos!


Autor: Ad DÆVA




Seja sócio da Adega