segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mais uma Crônica

De escritor e louco, todos temos um pouco.

Diretamente da seção mais exótica da Adega...

Bom proveito!

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No consultório.

“Doutor, eu sou escritor, mas sou gente que nem qualquer advogado, médico, engenheiro, jornalista, diretor de cinema, carteiro, gigolô, etc., mas eu acho que meus problemas são maiores, não sei explicar bem. Magnitude incomensurável, pleonástica! É um turbilhão de coisas que atravessam minha mente. Problema dos outros, peculiaridade das coisas, cores, brilho, um turbilhão! Eu não sei muito bem explicar como acontece, eu penso em uma coisa e outras dez sobrepõem-se a ela, e elas se misturam, brigam, se separam e se condensam. Tudo numa dinâmica simultânea impressionante. É difícil demais para eu administrar sozinho. Já criei três amigos para me ajudar na tarefa! Se um sujeito começa a rir, eu já começo a desconfiar o porquê dele estar rindo, nem que seja só uma risadinha dessas sem graça e de canto de boca. Tem que ter um motivo! E se alguém chora, eu quase choro junto, me comovo, participo mesmo, com intensidade. Isso sem falar das coisas que às vezes se mexem, ganham vida, às vezes até falam e aí criam e possuem histórias difíceis de entender e eu preciso de muita concentração para conseguir atravessar esse caminho complexo em que elas acabam me inserindo. O tempo também não é muito meu amigo, assim como o espaço e até o próprio vento, que se soprar pro lado errado pode misturar ainda mais todas as coisas e eu fico no meio de um tornado maluco de muitas histórias que insistem em não me deixar dormir. Eu só penso em tudo, a todo o tempo. Já estou até andando com bloco de notas e caneta, pra não me perder no meio de ninguém, nem de nada. Agora tenho tudo controlado, até meu remédio, que por sinal mudou a cor da tarja. Descobri por mim mesmo que a ausência de cor me acalma mais. Não que eu seja o retrato da paciência e do controle próprio, muito pelo contrário. Se às vezes eu consigo sentar e pensar em situações com alguma conexão, devo isso àqueles designers de caixinha de remédio que inventaram a bendita tarja. Santos mestres das cores... Ah, como eu adoro as cores! Elas deixam meus monstros e os meus anjos mais coloridos, o que é bom, porque quando eles começam a guerrear muito, minha massa encefálica tem algum momento de paz: é quando todas as cores se misturam e o branco criado me faz bem de verdade. Não quero parecer um Nietzsche, ou qualquer outro maluco desses da história. Não que eles sejam malucos e não mereçam a fama toda que têm pelo que fizeram, mas eles são malucos, e eu não sou megalomaníaco ao ponto de querer alcançá-los, exceto pelos meus problemas, que são pleonásticos de tão grandes, como já bem lhe disse. Eu sei que não estou maluco, e vim aqui para me assegurar disso, se não para quê serviria uma analista, não é mesmo? Eu só quero mesmo um diagnóstico para saber o que devo escrever no próximo e-mail desesperado a ser enviado ao designer da tarja do remédio pra inventar uma cor mais forte, porque sem cor, não dá mais para ficar! Não é só isso, mas é isso, afinal”.

Analista: 

 - Mas está claro que sua doença é crônica!

Acertou na mosca. Era só mais uma crônica.


Autor: Jorge Pedrosa

2 comentários:

  1. SIMULTANEIDADE
    - Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
    - Você é louco?
    - Não, sou poeta.

    Mario Quintana

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  2. Lindo, Jorge! Lindo. O encaixe, a verdade, as "entrelinhas", não sei se esse é você mas me parece um pouco de todo mundo. E parece comigo tbém e como... inclusive as cores e a tal tarja.

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