quarta-feira, 1 de junho de 2011

Enriquecimento

Só depois que a fumaça baixa, 
é que se pode ver o que o fogo é capaz de fazer.
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Um dia parei e reparei como estavam as coisas à minha volta. Olhei a casa, paredes, pinturas, móveis e logo me deparei com a seguinte conclusão: eu devia estar mais de 20 vezes mais rico do que da última vez que parei para perscrutar na minha vida dessa maneira. Eu tinha um sofá confortável e um controle remoto bonito, que me proporcionava escolher entre uns 100 canais de televisão diferentes, por aí. Meu colchão era confortável, o travesseiro também e, olhando o armário, contemplei um lençol de sabe-se lá quantos fios. Só não consegui identificar de que parte da Ásia.

Podia escolher entre a fritura e o integral para o almoço, entre o pão e a fruta para o café da manhã. Podia escolher os dois, poderia não querer nenhum. Poderia tomar café, leite, suco ou chá, ou poderia beber água pura mesmo. Olhei à minha volta e vi que tinha tudo. Meus filhos iam para a escola saudáveis, e minha mulher passava pelo corredor apressada com a hora para o trabalho.

Não sei de onde, mas pensei em uma história de alguém que teve um enriquecimento aparentemente ilícito. Não vejo tv há muito tempo, ando meio afastado das notícias. A cabeça está cheia, mas vi isso por alto em alguma dessas conversas que passam por perto da gente e confesso que a sensação de ganhar tanto dinheiro deve ser uma delícia. Porém, prefiro ainda mais estar marcado nas memórias daqueles que eu gosto, ou que amei.

Ali deitado, olhando tudo aquilo, lembrei de ontem à noite. Era meu aniversário e recebi dois desenhos de mim dos meus filhos gêmeos, cada um no auge da rebeldia de seus 14 anos de idade, acompanhados de uma cartinha que começava com um “Obrigado, papai!”. Não vou falar da carta, nem da vida. Nem eu precisava ler, nem ninguém precisaria saber, porque nada ali dentro significava mais do que aquele “Obrigado, papai!”. Como eu estava feliz!

Parece contraditório dizer que enriqueci tanto com um discurso tão pobre. Apesar de as escolas do meu filhos serem publicas, do meu lençol ser composto de fios de algodão, da minha poltrona confortável estar rasgada, os 100 canais de minha tv serem frutos de uma pequena transgressão da lei e, principalmente, da minha esposa trabalhar mais para me manter vivo do que todo o resto, hoje estou particularmente feliz. Percebi, nessa cama onde estou aprisionado pelas máquinas, que eu fui bom, que fui melhor que imaginei. Hoje eu sou mais rico, mais de 50 vezes mais rico. E se não tivesse conhecido o cigarro, poderia chegar a ser 
100 vezes mais rico. E mais feliz.

Autor: Gracindo Margarida

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