sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Alergia de Santa

Há os que nascem para certos feitos, os que nascem para outras coisas, e aquele que nascem... Bem, eles simplesmente nascem.

O que importa mesmo é o "Felizes para sempre", seja como for.

Sirvam-se.

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Não se falava em outra coisa na cidade. Qualquer roda de discussão, prosa na esquina e até bebum que falava sozinho, todos falavam no mesmo assunto: o casamento da Candinha. Era a filha mais nova do prefeito, casta, nunca tivera um namoradinho sequer. Nem um daqueles que a gente namora, mas esquece de avisar pra ele, ou ela. E todo mundo adorava a Candinha. Ela era meio filha de cada um na cidade. Quando anunciou que ia casar com o Marcondes, foi o maior alvoroço. Cada um queria contribuir de um jeito, eram as flores com um, o convite com outra, os textos com mais um, e ela chegou a receber um punhado de cartas com sugestões para os votos matrimoniais. Candinha era assim, simples e querida por todos. E o sonho dela era casar mesmo, Desde pequenina.

O Marcondes também era sujeito bem quisto nas redondezas. Não como a Candinha, mas rapaz trabalhador que sempre ajudou a família. Bem apessoado, bem humorado e bem aventurado na vida. Menino pra casar mesmo, que nem a Candinha. E também sonhava em casar. Nada podia ser mais perfeito, e nada podia dar mais certo. A aprovação do casal chegava a ser maior que a do flamengo lá em Bangu I, onde passei uma temporada agradabilíssima, aprendendo a ler e escrever. Mas eu não sou nada nessa história o que interessa é a Candinha e, um pouquinho, o Marcondes.

De casamento marcado e com tudo bem encaminhado para a festa e para a cerimônia, a noiva experimentava seu vestido pela enésima vez. E também pela enésima vez não se importava com as sardinhas vermelhas que apareciam em seu braço. “Deve porque o vestido é novo, ou então da fricção do entra-e-sai”, comentava Candinha. A maquiagem também estava ok, e a limusine com motorista que a levaria para a igreja já estava com tanque cheio desde duas semanas antes. Definitivamente, nada daria errado. Era o casamento perfeito.

Dois dias antes do casamento, a cidade já estava em festa. Em qualquer bar que se fosse, era possível encontrar pelo menos dois ou três sujeitos que comemoravam as bodas desde a semana anterior. E muitas moças não iam aos bares por já estarem maquiadas desde a semana anterior, porque só tinha um salão na cidade e a demanda estava grande. A Candinha estava acordando naquela quinta-feira, e quando foi lavar o rosto, susto: muitos pontos vermelhos tomaram conta do seu rosto e, como ela pôde constatar logo, do seu corpo.

Levaram a coitada às pressas para o médico. “Catapora, sem sombra de dúvidas”, disse o médico. O casamento teria que ser adiado em duas semanas. Quem já estava no bar permaneceu, e quem já estava maquiada, nem se mexeu. E durante a quinzena seguinte a cidade permanecia na mesma, umas arrumadas, outros comemorando e outros e outras se arrumando, nada necessariamente na mesma ordem, mas tudo ok, porque dessa vez ia. Até porque a Candinha estava tomando sete banhos de permanganato ao dia. Te esconjuro, catapora!

Passou o tempo e um dia antes da cerimônia metade da cidade já estava em frente à igreja e a outra metade no bar do Malaco, que é do lado do cemitério, que é do lado da igreja. Todo mundo na rua. “Caxumba!”, foi o que a tia do Marcondes chegou gritando no meio do povo, e mandando ninguém se mexer, que semana que vem ia ter casamento de qualquer jeito, palavras da própria Candinha, que tava de cama e, você sabe como é, não se pode brincar com Caxumba.

Mas uma semana depois, o Marcondes e a Candinha casaram. “Saravá!”, gritava o pai do Marcondes sem parar, olhando pra moça desacordada na maca. O povo, como previsto se manteve em frente à igreja e no bar do Malaco, e o casório finalmente aconteceu. Só não teve lua-de-mel ainda. Eu não consegui entrar na igreja, mas me falaram da história. A Candinha até que desmaiou na hora do sim-sim, mas deu sorte que levou o gravador com um sonoro “Sim!” gravado por ela mesma, por precaução, e ainda conseguiu apertar o play antes de desfalecer. Ela era mesmo uma menina de fibra!

Faz um mês eu tive notícias da Candinha. Desde que ela desmaiou não acordou ainda, fica lá na cama, com acompanhamento médico e tudo, e ninguém consegue diagnosticar o problema. Já foi médico até do Camboja para a cidade, e nada - e olha que esse pessoal de olho puxado é inteligente pacas! - e todos na cidade torcem pra ela melhorar, fazendo várias vigílias na casa dela. Quando eu lembro disso tudo, só consigo pensar em duas coisas: ou a Candinha nasceu pra ser santa, ou só pode ser um caso raro de alergia a casamento! Pior pro Marcondes que vive aos prantos, coitado.


Autor: Jorge Pedrosa



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2 comentários:

  1. Eiiiita Candinha! Levou até um gravador!! hehehe
    Essa história dá pano pra manga!!

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  2. uhuhuhu pobre candinha!
    Acho Marcondes um nome muito irados pra cronicas, especialmente e for um delegado de bigodes.. rsrs

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